Mais que isso, este homem, Ryu Mizuno, ao realizar o próprio sonho de conquistar as novas terras, ávidas da mão de obra nos campos agrícolas, não se contentou em realizar apenas o próprio sonho. Quis repartir sua esperança de dias melhores com seus amigos, conhecidos e desconhecidos deixados em muitas das províncias do Japão, e tratou de agir.
Ao vir antes, sozinho, num navio até o Chile, conheceu ali a futura esposa e os dois, a pé ou no lombo de mulas, percorreram a infinita e gélida distância entre o Chile e o Brasil, atravessando a Cordilheira dos Andes, em 1906.
No Brasil, Mizuno soube do incentivo que havia para a contratação de agricultores para as fazendas de café, em desabalada expansão, especialmente no estado de São Paulo. Fez contatos com autoridades japonesas aqui no Brasil, falou com o governador paulista e com seus secretários e retornou ao Japão com a missão de buscar os imigrantes que iriam compor a primeira grande leva de japoneses rumo ao Porto de Santos.
Ele aproveitava as brechas do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação assinado em 1865 entre os dois países para dar início ao seu desejo visionário de atender a objetivos mútuos.
O Japão vivia a explosão demográfica. Tinha mão de obra sobrando. O Brasil vivia a explosão agrícola. Tinha mão de obra faltando.
Era tudo o que Mizuno sonhara.
Na volta ao Japão bateu de porta em porta recrutando partes de famílias que se dispusessem a desbravar o ocidente.
Com muito sacrifício e após uma triagem dificultosa conseguiu reunir 781 pessoas de 165 famílias, de pelo menos nove províncias e da capital Tóquio.
Após tratar de documentos, das roupas ocidentais masculinas e femininas – até chapéus do tipo panamá ele conseguiu –, de resolver problemas pessoais de cada um e obter vistos e as passagens para todos, Mizuno fez questão de ser o primeiro a entrar no navio que o governo do Japão determinara para conduzir os imigrantes até o Porto de Santos.
O navio partiu de Kobe no dia 28 de abril de 1908. A viagem durou 52 dias, tempo em que Mizuno se dedicou ainda mais aos viajantes. Ele escreveu um diário de bordo em que detalha a vida no navio, descreve as roupas ocidentais que os japoneses vestiam e da satisfação de cada um, como “soldados da fortuna”, em busca de dias melhores no Brasil.
Mizuno conduziu seu povo de porto em porto. Na primeira escala, em 8 de maio, em Cingapura, foi o único a descer do navio, com sua autoridade, para despachar correspondências. Repetiu o ato na Cidade do Cabo, a 2 de junho. No trajeto cuidou de todos, desde o mal-estar pelo balanço do navio até para apartar brigas e participar de comemorações.
O navio chegou finalmente a Santos às 17 horas do dia 18 de junho, atracando no cais do armazém 14. Além dos imigrantes tinha 91 tripulantes, sob o comando de um capitão inglês, A. G. Stevens.
O Kasato Maru era um navio representativo de uma conquista que estava por vir. Foi construído em 1900 por estaleiro inglês e tinha o nome de Kazan. Ainda em 1900 foi vendido para a compor a frota voluntária da Rússia, em combate com os japoneses, atuando como navio-hospital. Resistiu à guerra. Em 1905 foi deixado em Port Arthur, e conquistado pelo Japão como presa de guerra, rebatizado como Kasato Maru e operado pelo governo até 1912, quando foi vendido para a Osaka Shosen Kaisha.
Além de trazer os imigrantes até o Brasil em 1908, o navio fez viagens ao Peru e México, retornando a Santos em 1917. Ficou nessa companhia durante a Primeira Guerra Mundial e mais tarde passou à frota da Shinko Suisan, de Tóquio, fazendo linhas regulares pela Ásia, com o nome de Kasado Maru, até ser novamente requisitado pelo governo durante a Segunda Guerra. Em agosto de 1945 foi severamente bombardeado por aviões que partiam de um porta-aviões russo, e afundou próximo às Ilhas Kuriles, sob domínio russo desde o final da Segunda Guerra e que são reclamadas pelo Japão.
A saga do Kasato Maru é lembrada até hoje por todos, descendentes ou não dos pioneiros japoneses.
Mas a coragem e os feitos do desbravador Ryu Mizuno, tido por muitos como herói e como “o pai da imigração japonesa”, ficaram no esquecimento. Ele dá nome a uma praça em Curitiba, a um viaduto em Suzano, mas nada o lembra em Santos, onde tudo começou. Nem ao menos uma simples placa junto ao monumento dos jardins da praia que representa a saga dos primeiros imigrantes que vieram sob sua tutela.
Mizuno morreu em 1951, no Japão, pouco antes de completar 92 anos. Deixou sua marca e é reconhecido por abrir as portas para levas de japoneses que hoje povoam o Brasil.
Mas em Santos, apesar de tudo, Ryu Mizuno, “o pai da imigração japonesa”, ainda é um herói sem estátua.



